“o fim dos órgãos de censura não significou o fim dela. O Judiciário,
poder do Estado instituído para garantia dos direitos, vem sendo manejado — com
fundamento no princípio da inafastabilidade da jurisdição — para o cerceamento
da liberdade. Bancos já pretenderam resolver os conflitos coletivos de trabalho
propondo ações possessórias para impedir manifestações nas calçadas ou ruas nas
quais tivessem agência, como se fossem os possuidores de tais espaços.
Seguiram-se os pedidos de censura a obras artísticas com fundamentos genéricos
que não se limitaram à proteção da imagem ou intimidade”.
Diz a Constituição que a Lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito.
Em exceção a este princípio os constituintes, submetidos ao lobby dos cartolas,
inseriram na Constituição que “o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à
disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da
Justiça Desportiva”. Mesmo esgotados os meios de arbitragem, a Fifa, que é a
ONG dos cartolas internacionais sediada na Suíça, não admite a jurisdição dos
Estados Nacionais e ameaça com desfiliação as confederações que acatarem ou não
punirem as federações ou clubes que a ela se submeterem.
A Constituição, elaborada em momento
de redemocratização do país, pretendeu extinguir a censura prévia e consagrou a
liberdade da manifestação do pensamento. Os censores, funcionários da Polícia
Federal, foram aposentados ou reaproveitados em outras funções. Os órgãos de
censura foram extintos. Mas o fim dos órgãos de censura não significou o fim
dela. O Judiciário, poder do Estado instituído para garantia dos direitos, vem
sendo manejado — com fundamento no princípio da inafastabilidade da jurisdição
— para o cerceamento da liberdade. Bancos já pretenderam resolver os conflitos
coletivos de trabalho propondo ações possessórias para impedir manifestações
nas calçadas ou ruas nas quais tivessem agência, como se fossem os possuidores
de tais espaços. Seguiram-se os pedidos de censura a obras artísticas com
fundamentos genéricos que não se limitaram à proteção da imagem ou intimidade.
O Judiciário fluminense já tentou,
por meio de liminares, impedir que os passageiros desrespeitados na travessia
Rio-Niterói se manifestassem contra abusos lhes acometidos ou reclamassem do
aumento da tarifa. O reajuste em R$ 0,20 nas passagens dos ônibus neste ano foi
o estopim para manifestações contra outros abusos. Diante da reação popular, o
preço da passagem não subiu. O Estado, com seu aparato repressivo, perseguiu,
prendeu e condenou até moradores de rua. Um manifestante foi mantido preso por
65 dias por ‘necessidade da ordem pública’ e foi solto sob o fundamento de que
não havendo mais manifestações sua liberdade não causaria danos.
Anuncia-se novo aumento da passagem
de ônibus para o próximo ano. Não haveria reclamação se houvesse planilhas dos
gastos das empresas que mostrassem seus custos operacionais e margem de lucro.
Tal como a ação da cartolagem, os preços das tarifas de transporte são uma
incógnita.
Publicado originariamente no jornal O
DIA, em 29/12/2013, pag. 12. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2013-12-28/joao-batista-damasceno-transporte-tarifa-e-copa.html
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