“O que dá dimensão de realismo mágico ou realismo fantástico ao
procedimento criminal é a inquirição sobre Mikhail Bakunin; nada demais se o
filósofo russo não tivesse morrido em l876. O fato relembra ocorrência durante
a ditadura empresarial-militar, ao lado de quem estavam as mesmas empresas de
comunicação que hoje criminalizam os movimentos sociais. Paulo Autran encenava
em Porto Alegre a peça Édipo Rei, de Sófocles. No drama, Édipo mata o pai,
Laio, e se apaixona pela mãe, Jocasta, sem saber quem eram. Aristóteles,
filósofo grego que corre o risco de ser investigado por incitação ao crime,
considerou a peça a mais perfeita obra da dramaturgia.
Ao fim da encenação os atores foram detidos pela polícia, convencida de
que a ‘obra imoral’ era coisa de algum comunista. Indagados sobre qual deles
era o Sófocles, um ator disse que o dramaturgo morrera há mais de 2.400 anos.
Os policiais não acreditaram e ameaçaram prender todos. Outro ator,
compreendendo a gravidade da situação, inventou que Sófocles estava escondido
em Botucatu, no interior de São Paulo, livrando o elenco da prisão. Mas a peça
foi censurada e o teatro fechado.”
A professora Camila
Jourdan, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) considera o inquérito instaurado pela
Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), para investigar manifestantes,
uma peça de literatura fantástica. O realismo fantástico é estilo literário do
qual Gabriel García Márquez é expoente e nos dá dimensão do quanto as
autoridades abusam da capacidade de inventar coisas para enganar o povo. Como
se já não bastassem as novelas, o noticiário televisivo se aliou à polícia para
produção de inimigos e difusão do medo. Concessionárias de serviço público de
telecomunicação exercitam liberdade de empresa em detrimento da liberdade de
imprensa, que há de existir em proveito da informação e comunicação social.
O inquérito do qual
resultou a prisão da professora começou mal. Sua origem é o Procedimento de
Investigação Criminal (PIC) instaurado pela Comissão Especial de Investigação
de Atos de Vandalismo (CEIV), presidida pelo Ministério Público (MP) e
auxiliada pelo delegado Ruchester Marreiros. A ida deste delegado para a DRCI,
a fim de auxiliar a CEIV, levou o delegado titular da 15ª DP a elaborar
relatório sem incriminação do Amarildo. Além do PIC há dois inquéritos: um na 5ª
DP e outro na DRCI. Nenhum dos três procedimentos apura fato específico.
Trata-se de devassa onde tudo é objeto de apuração e todos são bisbilhotados.
O que dá dimensão de realismo mágico ou realismo fantástico ao procedimento
criminal é a inquirição sobre Mikhail Bakunin; nada demais se o filósofo russo
não tivesse morrido em l876. O fato relembra ocorrência durante a ditadura
empresarial-militar, ao lado de quem estavam as mesmas empresas de comunicação
que hoje criminalizam os movimentos sociais. Paulo Autran encenava em Porto
Alegre a peça Édipo Rei, de Sófocles. No drama, Édipo mata o pai, Laio, e se
apaixona pela mãe, Jocasta, sem saber quem eram. Aristóteles, filósofo grego
que corre o risco de ser investigado por incitação ao crime, considerou a peça
a mais perfeita obra da dramaturgia.
Ao fim da encenação
os atores foram detidos pela polícia, convencida de que a ‘obra imoral’ era
coisa de algum comunista. Indagados sobre qual deles era o Sófocles, um ator
disse que o dramaturgo morrera há mais de 2.400 anos. Os policiais não
acreditaram e ameaçaram prender todos. Outro ator, compreendendo a gravidade da
situação, inventou que Sófocles estava escondido em Botucatu, no interior de
São Paulo, livrando o elenco da prisão. Mas a peça foi censurada e o teatro
fechado.
Um perigoso
subversivo a ser investigado é um tal de Karl Marx que propôs aos trabalhadores
que defendesse seus interesses conjuntamente, dizendo: “Trabalhadores de todo o
mundo: uni-vos!”.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 10/08/2014,
pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-08-10/joao-batista-damasceno-a-investigacao-de-bakunin.html
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