“A história das instituições brasileiras é permeada
pela tentativa de racionalidade e centralização em contraposição à autonomia
local e descentralização. A centralização racional no Brasil nos remete aos
modelos autoritários, e a descentralização, ao mando local e interesses das
elites regionais. Em ambas o que falta é democracia e valores republicanos.
Tanto a centralização quanto a descentralização acabam por entregar o poder em
mãos autoritárias, uma de âmbito geral e outra de âmbito local.”
O Pleno do Tribunal de Justiça do Rio aprovou novo regimento disciplinador
de suas relações internas, com possibilidade de reeleição dos que já ocuparam
cargos na sua administração, obedecido tão-somente um período de afastamento; e
rejeitou a participação dos juízes, todos concursados, na eleição. A edição de
regimentos pelos próprios tribunais nos remete à primeira lei republicana que
tratava de suas autonomias.
A história das instituições brasileiras é permeada pela tentativa de
racionalidade e centralização em contraposição à autonomia local e
descentralização. A centralização racional no Brasil nos remete aos modelos
autoritários, e a descentralização, ao mando local e interesses das elites
regionais. Em ambas o que falta é democracia e valores republicanos. Tanto a
centralização quanto a descentralização acabam por entregar o poder em mãos
autoritárias, uma de âmbito geral e outra de âmbito local. As centralizações
realizadas por Marquês de Pombal em 1759, por D. Pedro I em 1823, por Deodoro e
Floriano após 1889, por Getúlio Vargas em 1930 e pelos militares em 1964 foram
seguidas por descentralizações que não implicaram democratização. A fórmula
centralizadora que garantiu o reinado de D. Pedro II por 49 anos ruiu quando os
fazendeiros se apossaram das instituições republicanas após alijamento dos que,
num golpe, haviam instituído a República.
Na Europa inexiste separação de poderes, e o Judiciário, embora autônomo
em seu funcionamento, não tem autogoverno. Nos EUA o Judiciário é autônomo
quanto à capacidade de produzir julgamentos, mas, como poder político, está
sujeito a controles, alguns descabidos. No Brasil, o Judiciário é um poder do
Estado, autônomo e com autogoverno. De suas decisões jurisdicionais cabem
recursos. Mas suas decisões administrativas ficam ao sabor das vontades das
elites judiciais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi saudado como
‘governo da magistratura’, capaz de incutir racionalidade a um poder nacional
composto por mais de 90 tribunais, todos autônomos. Mas o CNJ, instalado, sem
lei que o regulamentasse, se transformou num grande juizado, sem capacidade de
editar normas gerais que orientem as relações interinstitucionais, e sua
composição tem sido a cada dia mais politizada.
O ‘Pacote de Abril’ do general Geisel e a edição da Lei Orgânica da
Magistratura Nacional (Loman) no último dia do seu governo foi uma tentativa de
centralização autoritária do Judiciário. A onda atual de edição de regimentos
internos nos tribunais, a pretexto de que a Loman é inconstitucional, denota
atuação do poder local contra uma lei nacional que deveria ter sido substituída
pelo Estatuto da Magistratura resultante de projeto que o STF, desde 1988, não
envia ao Congresso. O interesse pela descentralização não o é pela
democratização.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 31/08/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-08-30/joao-batista-damasceno-oligarquias-e-judiciario.html
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