domingo, 26 de outubro de 2014

Hoje tem eleição

“Na defesa dos seus interesses, o fazer política para a classe dominante é permanente e tratado como ‘natural’ diante do desempenho de suas atividades. A ideologia da classe dominante é a acumulação de bens; a política é apenas um meio de atingir seus objetivos. Considera-se próprio da ‘natureza’ dos interesses a defender, a reunião de empresários, a formação dos seus clubes e suas associações. Sem causar estranhamento, a reunião de magistrados com empresários e governantes é tratada como relevante para a defesa da ordem. No entanto, as manifestações de trabalhadores costumam ser tratadas como agrupamentos ideologizados, em contrariedade à ordem. A reunião de magistrados com populares já causou estranheza, porque era incomum tal tipo de interlocução. Ao povo costuma-se pretender que sua atuação seja limitada a trabalhar diariamente e votar quando convocado para tal. Assim, o dia da eleição se transforma no único dia no qual se permite aos trabalhadoresexpressarem-se livremente sem o risco de serem criminalizados.

“Votar é um gesto. É um ato de participação na vida pública. Mas, não há de ser o único gesto político. Afinal, a Constituição, que precisa ser efetivada, diz que todo o poder emana do povo que o exerce por meio de seus representantes, mas também diretamente.”

Teremos hoje eleição para a presidência da república e para o governo do Estado. Não é possível dizer que o escolhido será o exercente do poder. Os cargos apenaspossibilitamo exercício de parcela de poder, que também se exercepor outros meios. Além das instâncias informais das quais decorrem poder, o estado brasileiro é repartido em poderes distintos, em funções executivas e legislativas providas por mandatos temporários mediante eleições – com esferas municipal, estadual e federal - e judiciárias, com cargos de ocupação permanente e por outros meios de acesso. O judiciário por não decorrer de processo eleitoral, deve funcionar racionalmente para a realização da ordem jurídica democrática e garantia dos direitos fundamentais, apartado de juízos de conveniência e oportunidade e, portanto, sem a politização que o caracteriza.

A ocupação do cargo, por si só, não é exercício de poder. Poder é a capacidade de produzir o efeito desejado com a opção política realizada. O ocupante do cargo há de fazer opções e buscar os meios paraimplementá-las, ciente de que os recursos escassos implicam opção por certos beneficiários em detrimento de outros.

O exercício do poder é dinâmico e se renova a cada opção ou decisão política, ancorado nos gestos dos organismos sociais que se articulam e se mantêm em atuação para a defesa dos seus interesses, seja a classe dominante ou as forças populares. O atuar das forças sociais e os compromissos dos governantes é que orientam as opções políticas.

Na defesa dos seus interesses, o fazer política para a classe dominante é permanente e tratado como ‘natural’ diante do desempenho de suas atividades. A ideologia da classe dominante é a acumulação de bens; a política é apenas um meio de atingir seus objetivos. Considera-se próprio da ‘natureza’ dos interesses a defender, a reunião de empresários, a formação dos seus clubes e suas associações. Sem causar estranhamento, a reunião de magistrados com empresários e governantes é tratada como relevante para a defesa da ordem. No entanto, as manifestações de trabalhadores costumam ser tratadas como agrupamentos ideologizados, em contrariedade à ordem. A reunião de magistrados com populares já causou estranheza, porque era incomum tal tipo de interlocução. Ao povo costuma-se pretender que sua atuação seja limitada a trabalhar diariamente e votar quando convocado para tal. Assim, o dia da eleição se transforma no único dia no qual se permite aos trabalhadoresexpressarem-se livremente sem o risco de serem criminalizados.

Votar é um gesto. É um ato de participação na vida pública. Mas, não há de ser o único gesto político. Afinal, a Constituição, que precisa ser efetivada, diz que todo o poder emana do povo que o exerce por meio de seus representantes, mas também diretamente.




Publicado originariamente no jornal O DIA, em 26/10/2014, pag. E6.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

AUXÍLIO-RECLUSÃO

“O plano de benefícios da Previdência Social assegura, mediante contribuição, os meios de sobrevivência ao trabalhador incapacitado ou aos seus dependentes. Em contraprestação à contribuição previdenciária, os trabalhadores têm direito a cobertura por doença, por invalidez, por idade avançada e por desemprego involuntário, a proteção à maternidade e salário-família, além de auxílio-reclusão e pensão por morte devidas aos que deles dependiam economicamente.”


Dispõe a Constituição que a Previdência Social deve ser organizada em regime geral, caráter contributivo e obrigatório. Portanto, todo aquele que desempenha atividade econômica como empregado ou prestador de serviços é contribuinte obrigatório e faz jus a benefícios em caso de impossibilidade de trabalho.

A Previdência Social tem natureza de seguradora. Antes de sua estatização, eram os bancos privados que recebiam as contribuições previdenciárias e pagavam os benefícios. Há caso de uma trabalhadora acidentada que levou 40 anos para ver reconhecido o seu direito à indenização por uma seguradora privada.

O plano de benefícios da Previdência Social assegura, mediante contribuição, os meios de sobrevivência ao trabalhador incapacitado ou aos seus dependentes. Em contraprestação à contribuição previdenciária, os trabalhadores têm direito a cobertura por doença, por invalidez, por idade avançada e por desemprego involuntário, a proteção à maternidade e salário-família, além de auxílio-reclusão e pensão por morte devidas aos que deles dependiam economicamente.

A cada ano, quando é fixado o valor do auxílio-reclusão devido aos dependentes do trabalhador que tenha prisão decretada, uma avalanche de críticas desaba nos meios sensacionalistas de comunicação. Desconsidera-se que o único direito que a decretação de prisão cerceia é o de ir e vir, remanescendo todos os demais direitos do cidadão condenado ou preso provisoriamente. Desconsidera-se, igualmente, que o auxílio-reclusão é devido aos que dependiam economicamente do segurando e se destina às suas sobrevivências.


Artigo originariamente publicado no jornal O DIA, em 05/09/2012. Link: http://odia.ig.com.br/portal/opiniao/jo%C3%A3o-batista-damasceno-aux%C3%ADlio-reclus%C3%A3o-1.485393


domingo, 19 de outubro de 2014

SEGUNDO O JORNAL O GLOBO MORTO EM 2003 CONCORREU A DEPUTADO NO RIO DE JANEIRO EM 2014

A matéria publicada hoje, dia 19/10, no jornal O Globo, intitulada “Um terço dos eleitos à Alerj tem contas a prestar à Justiça” é um primor.

A matéria diz que o deputado Marcos Abrahão responde a processo pelo assassinato do deputado Renato de Jesus em 2003. Renato de Jesus foi candidato a Deputado Estadual na eleição deste ano pelo Partido da República sob o número 22.107 e obteve 7.503 votos. Não foi eleito. Trata-se do primeiro caso na história do Brasil em que uma pessoa falecida há mais de 11 anos disputa uma eleição. Rsrsrsrs

Na verdade o deputado federal assassinado foi Valdeci de Paiva (PSL-RJ), na porta da Record em 24/01/2003. O então 1º suplente e ex-policial Marcos Abrahão foi tratado como suspeito pelo então deputado Bispo Rodrigues, que era o braço político do Edir Bispo Macedo. Sem inocentar o acusado, o caso – pareceu-me na época – que envolvia briga interna na Igreja Universal. O passo seguinte foi a exclusão do deputado Bispo Rodrigues da IURD. Hoje ele cumpre pena, em decorrência da Ação Penal 470.  Se o repórter tivesse feito uma busca no Google se informaria melhor e não teria mandado para Jesus o ex-deputado Renato.

Outro erro grosseiro da matéria é sobre o processo por improbidade administrativa a que responderia o deputado eleito Rogério Lisboa. Rogério Lisboa foi condenado por mim, em ação de improbidade administrativa, a restituir em dobro aos cofres públicos valores recebidos indevidamente por assessor, bem como inelegibilidade por 8 anos. Ele recorreu. Uma juíza convocada para atuar no tribunal, sem obediência à ordem de antiguidade, manteve a multa e afastou a inelegibilidade prevista na lei, porque disse "ser contra a democracia". O MP não recorreu. Ele pagou o valor e nada mais deve em razão do processo. Mas, recorreu ao STJ para reaver o dinheiro pago. Nem com a Lei da Ficha Limpa ele perdeu a elegibilidade. O acórdão lhe assegura a elegibilidade e a lei nova não pode alterar a coisa julgada.

Em tempo: A matéria contém outros erros, assim como outras notícias da mesma edição. Mas, li o jornal com atenção hoje e posso afirmar que a data e o preço estavam corretos. KKKKKKK


Link da matéria: http://oglobo.globo.com/brasil/um-terco-dos-eleitos-alerj-tem-contas-prestar-justica-14292833


OAB, Benedito e democracia

"Joaquim Barbosa aposentou-se e requereu inscrição — como advogado — na OAB do DF. Teve seu pedido impugnado.

(...)

“Como cidadão, no entanto, torço para que o Benedito tenha a inscrição negada, tanto na OAB-DF quanto no Conselho Federal da entidade. Isto lhe obrigará constituir um advogado e peticionar junto a um juízo para o controle da ilegalidade. Benedito terá a oportunidade de aprender o quanto os advogados são importantes na defesa dos que têm direitos violados e que nem todos acordam depois das 11 horas. Terá a oportunidade de aprender a diferença entre advocacia e lobby, desfazendo mal-entendidos de sua formação. Terá a oportunidade de aprender que não é a truculência que propicia a vida social, tal como pensa a ‘bancada da bala’, mas o reforçamento dos laços de civilidade. Espero que ele não encontre um juiz com o seu perfil. Em 19 de junho de 2006, um advogado protocolou uma petição de duas laudas para sua apreciação, o que ele nunca fez. Por ter assumido a presidência do STF, a petição foi remetida a outro ministro em 26 de junho de 2013.”

Ex-ministro do STF, Joaquim Benedito Barbosa Gomes aposentou-se e requereu inscrição — como advogado — na OAB do Distrito Federal. Teve seu pedido impugnado. Dispõe a Constituição que é livre o exercício de qualquer trabalho, atendidos os requisitos legais. A lei que regulamenta o exercício da advocacia dispõe sobre requisitos para a inscrição nos quadros da OAB. Inegável que o Benedito preenche os requisitos. Portanto, sua inscrição há de ser deferida. 

A OAB tem a natureza de autarquia. É um tipo de autarquia diferente, ou ‘sui generis’, para quem gosta de latim, porque não está sujeita às mesmas situações que as demais. Presta serviço público, mas não integra a estrutura de nenhum dos poderes do Estado nem a eles está vinculada. 

A inscrição na OAB tem a natureza de ato administrativo e, como tal, não pode ser praticado ao bel-prazer dos administradores. Os atos administrativos hão de ser praticados em obediência aos princípios norteadores da ação do Estado: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Se o Benedito preenche os requisitos de fato e de direito para a obtenção da inscrição como advogado, não se trata de ato discricionário sobre o qual se possa formular juízo de conveniência ou oportunidade para sua edição. Trata-se de ato vinculado de edição obrigatória ante a presença dos requisitos legais. Assim eu decidiria se fosse dirigente da OAB ou juiz chamado a se pronunciar sobre o caso. 

Como cidadão, no entanto, torço para que o Benedito tenha a inscrição negada, tanto na OAB-DF quanto no Conselho Federal da entidade. Isto lhe obrigará constituir um advogado e peticionar junto a um juízo para o controle da ilegalidade. Benedito terá a oportunidade de aprender o quanto os advogados são importantes na defesa dos que têm direitos violados e que nem todos acordam depois das 11 horas. Terá a oportunidade de aprender a diferença entre advocacia e lobby, desfazendo mal-entendidos de sua formação. Terá a oportunidade de aprender que não é a truculência que propicia a vida social, tal como pensa a ‘bancada da bala’, mas o reforçamento dos laços de civilidade. Espero que ele não encontre um juiz com o seu perfil. Em 19 de junho de 2006, um advogado protocolou uma petição de duas laudas para sua apreciação, o que ele nunca fez. Por ter assumido a presidência do STF, a petição foi remetida a outro ministro em 26 de junho de 2013. 

Dia 7, Benedito fez 60 anos. Se a causa ajuizada vier a ser sorteada para um juiz com suas características, pode vir a nunca advogar. Seria uma pena. O ex-ministro perderia a possibilidade de compreender a importância do advogado para a defesa dos direitos, afirmação da cidadania, asseguramento das liberdades, resistência à opressão e aperfeiçoamento da democracia. 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 19/10/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-10-18/joao-batista-damasceno-oab-benedito-e-democracia.html


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Infidelidade eleitoral


“O povo não elege candidatos populares para a implementação de políticas conservadoras. Para isto votaria em candidatos conservadores. Afinal, as políticas conservadoras dos conservadores são melhores que as políticas conservadoras dos outros. A direita incivilizada sabe, mais que os candidatos populares, implementar políticas impopulares. Quem vota num candidato que se diz progressista espera dele políticas progressistas. De outro modo é a desnorteante infidelidade eleitoral”.

 
Após a segunda Guerra Mundial, o mundo foi dividido em duas grandes áreas de influência. Os Estados Unidos, com o Plano Marshall, intensificaram investimentos para reconstruir a Europa e solidificarem-se naquele continente. Ao mesmo tempo aportaram no Japão, fazendo frente à influência da União Soviética na Ásia. Com os recursos americanos, os japoneses se tornaram imbatíveis na fabricação de aparelhos elétricos, que tinham o transistor como novidade.
 

Na década de 70, período do milagre brasileiro e anos de chumbo, empresários brasileiros associaram-se a japoneses e instalaram indústrias no Brasil. Um dos fabricantes de televisão se superou na propaganda, que dizia: “Os nossos japoneses são melhores que os japoneses dos outros.” A derrota dos setores populares, nacionalistas e de esquerda na eleição deste ano rememora tal propaganda.
 

A primeira eleição presidencial após a ditadura empresarial-militar elegeu herdeiro da ditadura que iniciou o ciclo neoliberal, mas sofreu impeachment. A eleição seguinte elegeu um sociólogo cassado pelo regime militar, que — esquecendo o que escrevera — intensificou as políticas liberais, vendeu o Brasil, como disse um dos seus auxiliares, subtraiu direitos dos trabalhadores, negociou uma emenda que lhe possibilitasse a reeleição e aprofundou a miséria.

 
Nas eleições de 2002, um novo projeto foi apresentado ao povo brasileiro. A esperança venceu o medo, e tivemos o menor índice de abstenções, votos nulos e brancos das últimas 10 eleições. Mas, violando-se a razão da esperança, foi implementada reforma da previdência que não se fizera em governos anteriores e instituída tributação sobre aposentadorias. Para a presidência do Banco Central foi nomeado um banqueiro, eleito deputado pelo partido derrotado, que havia deixado a presidência de um dos principais bancos estadunidenses.

 
A política conservadora que se implementou satisfez os interesses da classe dominante, mas contemplou os mais pobres com migalhas decorrentes de recursos transferidos dos setores médios da sociedade. Manifestantes foram criminalizados como não ocorria desde o período mais duro da ditadura empresarial-militar. O resultado da truculência foi a eficiente desarticulação das organizações populares, com resultado expresso nas urnas.

 
O povo não elege candidatos populares para a implementação de políticas conservadoras. Para isto votaria em candidatos conservadores. Afinal, as políticas conservadoras dos conservadores são melhores que as políticas conservadoras dos outros. A direita incivilizada sabe, mais que os candidatos populares, implementar políticas impopulares. Quem vota num candidato que se diz progressista espera dele políticas progressistas. De outro modo é a desnorteante infidelidade eleitoral.

 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 12/10/2014, pag. E5. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2014-10-12/joao-batista-damasceno-infidelidade-eleitoral.html

 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Juízes com medo, sociedade intranquila

O assassinato da juíza Patrícia Lourival Acioli é a ponta do iceberg do poder paralelo construído pela política de segurança no Estado do Rio de Janeiro. O perigo de se criar cachorros bravos e deixá-los soltos para atacar os indesejáveis aos seus donos é que depois não mais distinguem a quem estão autorizados morder.

A Juíza Patrícia Acioli se destacava no exercício da magistratura por sua coragem e desconsiderações pessoais na hora de decidir. Os embusteiros do poder, despidos de poder real, costumam maltratar os fracos e se acovardam diante de quem consideram fortes e poderosos. Ela, com seu sorriso doce, não deixava transparecer sua enorme coragem na afirmação da ordem jurídica, fosse na defesa dos injustiçados ou na
condenação dos culpados, pouco importando suas posições sociais.


Em 1997 ela prolatou decisão na qual determinava prazo para que o Governador Marcelo Alencar reformasse ou desativasse instalações de internação de adolescentes na Ilha do Governador, onde se entulhavam menores em conflito com a lei. Atendendo aos interesses do governo o então presidente do tribunal, fundado em dispositivo de discutível constitucionalidade, suspendeu a decisão da juíza e a afastou do Juizado da Infância e Juventude para o qual estava designada. Juntos, tomamos posse na entrância especial, último patamar da carreira na primeira instância no Rio de Janeiro, no dia 01 de junho de 1999.


O poder nem sempre fala. Mas emite sinais. A retirada da escolta da Juíza Patrícia Acioli pela direção do tribunal pode ter sido sinal suficiente para os interessados na sua morte de que ela não contava com apoio institucional para o trabalho que desempenhava no Tribunal do Júri de São Gonçalo, competente para processamento e julgamento de grupos de extermínio e milicianos. E pode ter encorajado a audácia de outros.


O Tribunal de Justiça, durante a presidência do Desembargador Antônio Carlos Amorim, constituiu a Guarda Judiciária, que posteriormente foi desativada e seus 287 agentes e inspetores se encontram desviados de função. A segurança institucional no Poder Judiciário fluminense foi entregue à Polícia Militar, cujos agentes não se encontram subordinados hierarquicamente ou disciplinarmente ao judiciário, mas aos seus comandos.


Em data recente relatei em coluna no jornal O Dia a decisão do comandante do 13º BPM que absolveu disciplinarmente policiais militares, apesar da filmagem pelo sistema de monitoramento, que espancaram mulher que procurara entrar no fórum durante um plantão noturno e a impediram que tivesse atendimento. Nenhuma providência teria sido tomada contra eles não fosse a ciência pessoal do fato pelo juiz plantonista ao então presidente do tribunal, Desembargador Luiz Zveiter, que tomou a decisão possível de retorno deles à corporação.


A entrega da segurança judiciária à Polícia Militar, em contraposição aos princípios que orientaram a criação da Guarda Judiciária, pode não se apresentar a mais apropriada forma de autonomia funcional. Mas pavimenta o caminho para as relações pessoais entre os exercentes de funções nos distintos poderes.


A segurança no Tribunal de Justiça está entregue à Polícia Militar e um dos mais importantes órgãos do tribunal é a Diretoria Geral de Segurança Institucional (DGSEI), cuja atividade não pode se limitar ao recolhimento de computadores de juízes que quiserem trabalhar além do horário de expediente na parte externa do Fórum, como ocorreu na presidência do Desembargador Murta Ribeiro. Mais que a segurança pessoal e patrimonial, o trabalho de tal diretoria há de compreender serviços de inteligência ou conexão com os órgãos de inteligência do Estado para evitar fatos desta natureza.


Desembargadores relatam que presenciaram a Juíza Patrícia Acioli solicitar pessoalmente segurança ao presidente do tribunal. Em data recente ofícios de outro juiz, endereçado e reiterado, ao atual presidente do tribunal solicitando segurança sequer mereceu resposta. A DGSEI diz já haver apreciado a questão, sem revelar o conteúdo de sua manifestação, e remetido á presidência. A presidência do tribunal não respondeu ao juiz. A segurança dos exercentes de poder de Estado há de ser tratada como segurança do Estado, em proveito da sociedade.


A morte de qualquer pessoa diminui a humanidade. Os vínculos de solidariedade social que constroem a civilização desautorizaram o assassinato de qualquer pessoa. Mas, o assassinato de um magistrado traz o simbolismo de que as próprias instituições não estão em condições de regular funcionamento. Quando o juiz tem medo, ninguém
pode dormir tranqüilo.


A desorganização dos serviços públicos foi meio utilizado pelos coronéis para instituir poder pessoal no Brasil rural de outrora. A destruição das prerrogativas da magistratura e desconsideração à sua importância para a sociedade democrática é meio de destruir os direitos que caracterizam uma sociedade cidadã.


A concepção de uma justiça norteada por metas quantitativas tem equiparado a atividade de julgar com a produção em série das fábricas de parafusos ou de sabonetes, sem consideração às peculiaridades de cada caso. Neste contexto um juiz deixa de ser tratado como magistrado, membro do Estado encarregado da missão de dizer o Direito, e passa a ser tratado como gestor, nome moderno de capataz, porque subserviente a interesses dominantes, nem sempre republicanos.


O momento se apresenta propício para a magistratura reafirmar o Estado de Direito e, agindo com a sobriedade institucional que dela se espera, reafirmar os valores próprios da sociedade democrática; a defesa da independência do Poder Judiciário não só perante os demais poderes como também perante grupos de qualquer natureza, internos ou externos à magistratura; a busca da democratização da magistratura, tanto no ingresso quanto nas condições de exercício funcional; o fortalecimento das prerrogativas dos juízes em proveito da cidadania, considerando-se a justiça como autêntico serviço público que, respondendo ao princípio da transparência, permita aos cidadãos o controle de seu funcionamento.


Mas, fundamental será que a magistratura busque, a partir deste episódio, a promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista e a difusão da cultura jurídica democrática e dos valores que caracterizam uma sociedade como republicana.



João Batista Damasceno


Publicado originariamente no blog Vi o mundo, 13 de agosto de 2011 e posteriormente em http://www.oabrj.org.br/artigo/2663-juizes-com-medo-sociedade-intranquila--joao-batista-damasceno


domingo, 5 de outubro de 2014

Amarildo e o estopim

“O documentário ‘O Estopim’, de Rodrigo Mac Niven, é um registro das ocorrências do tempo presente. O tema é denso. Trata do ‘Caso Amarildo’. Mas não só dele. A abordagem demonstra que muitas outras pessoas pobres foram igualmente torturadas, mortas ou desaparecidas pela política de segurança militarizada. Com rara sensibilidade, faz precisa conexão entre as falas dos entrevistados, demonstra as permanências autoritárias herdadas do regime empresarial-militar, mostra o dissenso entre a sociedade e o Estado — que foi o estopim para as manifestações de 2013 — e termina com mensagem de esperança. O filme é mais que um registro. Ele instiga a necessidade de organização da sociedade contra o estado de barbárie e de desumanização dos pobres, num momento no qual deles tudo o que se espera é o voto.”

Passado um ano da tortura, morte e desaparecimento do Amarildo, fatos similares continuam a ocorrer. A política de segurança militarizada instituída pelo governo do estado em forma de UPP, com o apoio do governo federal, atende às exigências dos marqueteiros, mas não é solução para os reais problemas sociais. Os constantes conflitos nas áreas ocupadas militarmente demonstram que não houve qualquer pacificação.

As UPPs não são um conceito que, na prática, se bem aplicado, seria eficiente. Delas resulta a violência nas áreas ocupadas. Policiais mandados para o confronto matam, mas também morrem, e a responsabilidade é dos que formulam tal política, que também vitimiza praças e a baixa oficialidade. Pensar que as UPPs seriam boas sem a violência seria o mesmo que imaginar que o Nazismo teria sido bom sem o holocausto ou que a ditadura empresarial-militar teria sido boa sem as truculências que praticou. 

As ocorrências nefastas são o fruto possível dos modelos políticos autoritários. Não se trata de despreparo ou de casos isolados. Mas de uma política que incide no controle da parcela da população que entra no mercado de trabalho pela margem, que dele está excluída e que não integra o conceito de consumidor, status liberal da cidadania. A parcela da população que não dispõe de meios para consumir não pode sequer andar pelos espaços destinados ao consumo, como ocorreu na repressão aos jovens pobres que pretendiam passear, em forma de ‘rolezinho’, pelos shoppings da Zona Sul carioca. 

Nenhuma política que tenha o aparato repressivo do Estado como premissa será solução para os problemas sociais. As ideias não são novas se apenas tiveram roupagem diferente. Toda a história do Brasil é permeada pela repressão e eliminação física dos pobres não padronizados aos modelos ditados pela classe dominante. 

O documentário ‘O Estopim’, de Rodrigo Mac Niven, é um registro das ocorrências do tempo presente. O tema é denso. Trata do ‘Caso Amarildo’. Mas não só dele. A abordagem demonstra que muitas outras pessoas pobres foram igualmente torturadas, mortas ou desaparecidas pela política de segurança militarizada. Com rara sensibilidade, faz precisa conexão entre as falas dos entrevistados, demonstra as permanências autoritárias herdadas do regime empresarial-militar, mostra o dissenso entre a sociedade e o Estado — que foi o estopim para as manifestações de 2013 — e termina com mensagem de esperança. O filme é mais que um registro. Ele instiga a necessidade de organização da sociedade contra o estado de barbárie e de desumanização dos pobres, num momento no qual deles tudo o que se espera é o voto.






Publicado originariamente no jornal O DIA, de 05/10/2014, pag. E2. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-10-05/joao-batista-damasceno-amarildo-e-o-estopim.html