segunda-feira, 22 de junho de 2015

Não ensinem errado!

“Mussolini chegou ao poder em 1922, com a Marcha sobre Roma, ano do início das obras da Alerj. Concepções totalitárias já permeavam as relações sociais no mundo. Hitler tentou em 1923 uma Marcha sobre Berlim, acabou preso e na prisão escreveu ‘Minha Luta’. No Brasil o ideário totalitário sobrevivia nos subterrâneos. Para entender o período é preciso visitar as preocupações intelectuais dominantes da época, a Semana de Arte Moderna, o Levante Tenentista e a fundação do PCB, todos em 1922, bem como as discussões nos anos 20 das quais resultaram as obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda nos anos 30.
“O Palácio Tiradentes é um belo monumento, ainda que recheado de símbolos fascistas. O que havemos de repudiar é o fascismo e suas práticas entranhadas nas instituições, sobretudo as jurídicas, e não um prédio que apenas retrata um período da historia”.


Matéria jornalística põe em dúvida se o machado, cujo cabo é um feixe, encontrado nas calçadas, postes e mobiliário da Alerj tem relação com o fascismo italiano. Quem nega diz que os símbolos são romanos e que foram, também, adotados pelo fascismo. O mesmo se pode dizer da suástica nazista, que veio da hindu, e tentar desvinculá-la daquele regime totalitário.

Uma questão de vestibular nos anos 90 pedia a interpretação de ‘Dom Casmurro’, de Machado de Assis. A resposta tida como correta era a que considerava o adultério de Capitu mera imaginação de Bentinho, o personagem-narrador. Carlos Heitor Cony se insurgiu: “Não ensinem errado aos meninos!” Baseou-se nos ‘Diários Secretos’ de Humberto de Campos. Antonio Carlos Vilaça abordou o assunto em ‘O Livro dos Fragmentos’. Machado vivera um romance com Ana Cochrane, mulher de José de Alencar, e não contava para ninguém. Mas os demônios que lhe corroíam a alma somente se aquietavam quando ele fofocava pelos livros. Ele é Escobar; José de Alencar, filho de padre, o Bentinho; Ana, a Capitu, e Mário de Alencar, o Ezequiel. Triângulo amoroso é, também, o fio condutor de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, assim como da obra de Machado, que é autobiográfica.

Sobre os símbolos no Palácio Tiradentes é preciso repetir: não ensinem errado! Para a matéria ouviram geógrafos, historiadores e antropólogos. Historiadores fundamentam a dúvida na falta de prova, tal como o detetive que investigara um adultério, mas não tinha prova, pois o casal espionado, após se despir, apagara a luz. O geógrafo foi quem passou mais longe ao citar Getúlio Vargas, pois o prédio da Alerj foi inaugurado em 1926, e Vargas governou a partir de 1930. Nenhum cientista político foi ouvido.

Mussolini chegou ao poder em 1922, com a Marcha sobre Roma, ano do início das obras da Alerj. Concepções totalitárias já permeavam as relações sociais no mundo. Hitler tentou em 1923 uma Marcha sobre Berlim, acabou preso e na prisão escreveu ‘Minha Luta’. No Brasil o ideário totalitário sobrevivia nos subterrâneos. Para entender o período é preciso visitar as preocupações intelectuais dominantes da época, a Semana de Arte Moderna, o Levante Tenentista e a fundação do PCB, todos em 1922, bem como as discussões nos anos 20 das quais resultaram as obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda nos anos 30.

O Palácio Tiradentes é um belo monumento, ainda que recheado de símbolos fascistas. O que havemos de repudiar é o fascismo e suas práticas entranhadas nas instituições, sobretudo as jurídicas, e não um prédio que apenas retrata um período da historia.
 

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/06/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-06-20/joao-batista-damasceno-nao-ensinem-errado.html

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