terça-feira, 7 de julho de 2015

Mandioca e carvalho

“A mandioca, tal como a batata, sacia a fome. Atende aos reclamos do estômago. Mas apenas resolve o problema imediato. O futuro se constrói com o que é sólido e duradouro. Além da mandioca é preciso plantar árvores frutíferas para as gerações futuras.
“A Câmara dos Deputados acaba de aprovar em primeiro turno a redução da maioridade penal. O fisiologismo e a pressa em forrar estômagos famintos e goelas escancaradas não permitiram ver que a medida é o plantio da espécie venenosa da mandioca, que haverá de intoxicar a todos. Uma minoria demonstrou que o futuro se faz plantando árvores frutíferas e carvalhos, que demoram para ser colhidos, mas que com eles se constroem casas permanentes, e não apenas choupanas”.
A saudação da presidenta Dilma à mandioca ainda ecoa entre seus críticos, incapazes de relativizar sua dificuldade de improviso. Inegável que a mandioca foi fonte alimentar importante para as populações originárias. Muitos dos mitos indígenas, modos de viver e cultura podem ter sido plasmados pela apropriação da raiz. Os povos têm sua cultura relacionada com seus hábitos alimentares. Alguns vegetais, de rápida produção, impediram que populações morressem de fome. O milho nas Américas do Norte e Central e a batata nos Andes tiveram direta contribuição na cultura dos astecas, maias e incas. E a mandioca para os tupinambás.
Eduardo Frieiro, no livro ‘Feijão, Angu e Couve’, pretendeu relacionar o hábito alimentar e a cultura mineira. Mas este intérprete do Brasil, não concebendo o que é a mineiridade, acabou por concluir que se trata de comida que se come em todo lugar e que o brasileiro não tem hábitos alimentares ‘sofisticados e civilizados’. Seu elogio ao bife com batatas fritas, para ele coisa de ‘hábitos superiores’, demonstra um pensamento colonizado, sem entender a riqueza cultural brasileira, com ampla diversidade, inclusive culinária.
Na Europa da Idade Média, quando as condições climáticas quebravam a produção agrícola, morria-se de fome. Os castelos, onde se guarneciam alimentos, eram circundados com fossos a fim de impedir a aproximação das hordas de famintos. Os mosteiros ficavam no topo de montanhas, em lugares de difícil acesso. A segurança que se pretendia não era apenas contra os inimigos, mas sobretudo contra os pobres que perambulavam em busca de comida. Foi a batata que salvou o mundo da fome e, a partir da sua disseminação pelo mundo, a questão decorreu da distribuição de renda, e não mais da produção alimentar. Banco genético de batatas registra milhares de espécies, todas advindas dos Andes peruanos.
A mandioca, tal como a batata, sacia a fome. Atende aos reclamos do estômago. Mas apenas resolve o problema imediato. O futuro se constrói com o que é sólido e duradouro. Além da mandioca é preciso plantar árvores frutíferas para as gerações futuras.
A Câmara dos Deputados acaba de aprovar em primeiro turno a redução da maioridade penal. O fisiologismo e a pressa em forrar estômagos famintos e goelas escancaradas não permitiram ver que a medida é o plantio da espécie venenosa da mandioca, que haverá de intoxicar a todos. Uma minoria demonstrou que o futuro se faz plantando árvores frutíferas e carvalhos, que demoram para ser colhidos, mas que com eles se constroem casas permanentes, e não apenas choupanas.
 

Publicado originamente no jornal O DIA, em 05/078/2015, pag. E6. Disponível no link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-07-05/joao-batista-damasceno-mandioca-e-carvalho.html

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