A lei proíbe que juízes atuem em
processos em que tenham figurado como parte, testemunha, membro do MP ou
perito. Igualmente proíbe que atuem em processos nos quais seus filhos, irmãos
ou cônjuge sejam parte ou advogado. A formação social brasileira se deu em
torno das famílias. Não foi o Estado português quem iniciou a formação
nacional, mas os ‘senhores de engenho’ com suas famílias. A lavoura de café se
estabeleceu em torno do ‘coronel’, apoiado por sua parentela que incluía
agregados, compadres e afilhados. Séculos antes que a lei definisse parentesco
por afinidade ou adoção social, a realidade brasileira conhecia formas
extensivas de família e de parentalidade. As grandes empresas brasileiras são
familiares. A maior empresa de comunicação do Brasil, concessionária de serviço
público, é unifamiliar, assim como outras.
A concepção republicana de serviço
público e a acessibilidade aos cargos públicos, pelo mérito, sofrem com estas
características de nossa formação. Mesmo os cargos eletivos costumam decorrer
da filiação, e não são poucos os filhos de parlamentares eleitos nos mesmos
pleitos disputados pelos pais ou nos quais estes tenham desistido de concorrer.
Em notável obra na qual descreve
ocorrências no Judiciário fluminense, do qual foi presidente, o desembargador
Paulo Dourado de Gusmão narrou conduta de magistrado que mandara o filho para
São Paulo ao terminar o curso de Direito. Ao pai não parecia lícito ter um
filho advogando no mesmo Estado onde exercia a magistratura. O poder
tradicional e familiar de um pai no início do século 20, que ordenava
comportamento a um filho adulto, não mais subsiste. Nem o Direito o admite. Mas
há de subsistir o princípio republicano que veda a pais e filhos atuar
simultaneamente como advogado e juiz na mesma causa. O Estatuto da Magistratura
pretende estender a proibição para os demais membros dos escritórios de
advocacia nos quais os parentes do magistrado sejam sócios ou empregados. Nada
mais republicano! Afinal, de nada adianta a lei proibir o juiz de atuar em
processo no qual parente seja advogado e autorizar nos que atuem seu colega de
escritório.
Mas a concepção republicana que
proíbe a advocacia perante magistrados que sejam parentes não pode impedir o
exercício profissional, tal como no exemplo do desembargador Gusmão. A entrada
pela porta do Fórum do magistrado em momento concomitante ou diverso de seu
parente ou cônjuge não é expressão de que rumam para o mesmo gabinete. Afinal,
conchavos e ‘pedidos’ chamados de ‘embargos auriculares’ não são realizados às
claras. Não é da aparição pública que decorre a suspeição, mas do que não se
publiciza.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, em 02/08/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-08-01/joao-batista-damasceno-magistratura-e-parentela.html
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