sábado, 31 de outubro de 2015

Ônibus pirata à espera de passageiros

Carro da Guarda Municipal do Rio de Janeiro estacionado em ponto de ônibus no Leme.

Se fosse um carro particular já teria sido multado e rebocado. Este é o choque de ordem de Rodrigo Bethlem e do prefeito sem licença para dirigir taxi Eduardo Paes.

Num Estado de Direito o poder público está tão sujeito às leis que faz, quanto todos os demais. Mas, num Estado Policial os agentes do Estado estão acima da lei.

O Guarda Municipal CARVALHO, ao ver o fotógrafo registrando a transgressão o interpelou. E disse que em se tratando de uma viatura oficial pode entrar e parar em qualquer lugar.E que o fotógrafo deveria estudar, pois isto está no Código de Trânsito a autorização.

É para este pessoal que o Governo Federal editou lei autorizando o porte de arma e que o município estuda implementar.  Na semana passada a Federação do Comércio anunciou que gastará R$ 44 milhões contratando ex-reservistas e ex-policiais para segurança na Lagoa Rodrigo de Freitas, Aterro do Flamengo e Méier.


As condições estão criadas. Em pouco tempo, a exemplo de Campo Grande, subúrbio e Baixada Fluminense, a cidade estará tomada por milicianos e paramilitares. Então, poderemos mudar o nome dela para Medelin. 



terça-feira, 27 de outubro de 2015

Perguntas a um homem bom, de Bertolt Brecht

Por Bertolt Brecht
Avança: ouvimos
dizer que és um homem bom.
Não te deixas comprar, mas o raio
que incendeia a casa, também não
pode ser comprado.
Manténs a tua palavra.
Mas que palavra disseste?
És honesto, dás a tua opinião.
Mas que opinião?
És corajoso.
Mas contra quem?
És sábio.
Mas para quem?
Não tens em conta os teus interesses pessoais.
Que interesses consideras, então?
És um bom amigo.
Mas serás também um bom amigo de gente boa?
Agora escuta: sabemos
que és nosso inimigo. Por isso
vamos encostar-te ao paredão. Mas tendo em conta os teus méritos
e boas qualidades
vamos encostar-te a um bom paredão e matar-te
com uma boa bala de uma boa espingarda e enterrar-te
com uma boa pá na boa terra.
Bertolt Brecht (1898-1956) – Dramaturgo e poeta alemão
 
 

domingo, 25 de outubro de 2015

A morte de Ustra nos testou a humanidade

John Donne escreveu que ninguém é uma ilha e que a morte de qualquer pessoa nos diminui, pois fazemos parte do gênero humano. Um humanista não se contenta com a morte de seu semelhante e chora diante dela, por todos nós, porque reveladora da finitude que nos é comum. Mas, alguns quando morrem nos testam a humanidade. Mário Benedetti escreveu o poema ‘À morte de um canalha’, dizendo que “os canalhas vivem muito, mas algum dia morrem”. A desumanidade dos bárbaros pode nos contagiar e nos desumanizar.

Meu amigo Mozart Noronha, reverendo luterano exilado durante o governo Geisel, oficiou os serviços religiosos no funeral do ditador. Questionado por estudantes de Direito, disse que a morte extinguira a punibilidade; que a recusa do serviço religioso implicaria pena à família, que não pode passar da pessoa do condenado; que seu algoz voltara a ser membro de sua comunidade religiosa e que tinha direito ao serviço. Diante da insatisfação dos estudantes, exclamou: “Eu sepultei o Geisel. Eu não o ressuscitei.”

O coronel Brilhante Ustra foi chefe do DOI-Codi do 2º Exército no governo Médici. Além da tortura à atriz Beth Mendes, o Grupo Tortura Nunca Mais documentou centenas de casos de tortura e dezenas de mortes sob sua gestão. Notas e manifestações dos que lutam por justiça praguejaram sua morte antes que pudesse ser responsabilizado pelos crimes que cometeu a serviço do Estado, sequestrado pelo capital com o auxílio das Forças Armadas, de outras instituições estatais e de homens que não honraram as funções dos cargos que ocupavam.

Fiquei entre os dois comportamentos: manter-me humano diante dessa morte, pois a de qualquer homem diminui a humanidade, ainda que seja um facínora, ou desumanizar-me e lamentar ter morrido de morte natural sem responsabilização ou justiçamento pelas atrocidades que praticou. Sou fraco. Fiz coro às notas e manifestações contra o morto e lembrei do poema de Mario Benedetti. Assustei-me comigo mesmo ante a felicidade pelo contentamento de ter no mundo menos um torturador entre nós. Por algum tempo perdi a humanidade que espero sempre me caracterize como civilizado, tal como Mozart Noronha e Siro Darlan, cujas generosidades lhes dificultariam escorregar para a desumanização.




segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A classe dominante não deseja o impeachment

 “Apesar da crise, o lucro do Banco Itaú em 2015 deverá superar R$ 20 bilhões. O ódio que se difunde advém de parcela da classe média que perdeu a exclusividade. E com ela faz coro o presidente da Câmara dos Deputados apoiado por parlamentares de igual expressão intelectual e conduta ética”.
No filme ‘Encouraçado Potemkin’, uma cena é emblemática: a aristocracia russa se preparara para entregar o poder aos bolcheviques que haviam tomado ruas e pontos estratégicos de Moscou. Reunidos num salão luxuoso à espera do ultimato para a passagem do poder, um dos aristocratas sugere aos demais “uma recepção com dignidade”. Mas a massa invade o salão estapeando os presentes e subindo nas mesas. A classe dominante é educada para manter a fidalguia mesmo na pior das adversidades.
Um clássico dessa arrogância é o príncipe espanhol Dom Rodrigo, que, condenado à forca, se portou com tamanha frieza diante dos xingamentos do povo, que gerou a expressão “soberbo como Rodrigo a caminho do cadafalso”. Igual comportamento teve Washington Luís, de quem Getúlio Vargas fora ministro da Fazenda, quando de sua deposição em 1930.
A conciliação que sempre se estabeleceu entre a classe dominante se fez com fidalguia, deixando ao povo o mesmo papel que tem nas arquibancadas dos estádios de futebol, enquanto os cartolas recolhem os lucros do campeonato.
No Brasil a ascensão de um partido com discurso tendente aos interesses populares pôs em polvorosa setores da classe média, que se diferenciava por algumas exclusividades. A expansão do setor aéreo foi achincalhada com o argumento de que os aeroportos virariam rodoviárias. E era verdade.
Uma passagem de avião chegou a custar metade de uma passagem de ônibus para o mesmo destino, demonstrativo dos ganhos dos barões do transporte rodoviário. Durante o julgamento do Mensalão, um senador disse que era hora de expulsar “esta raça da política por 30 anos”. Para ele política não era coisa para setores populares.
O modelo discursivo que implicou subtração dos interesses dos trabalhadores e conciliação para manutenção dos interesses da classe dominante esgotou-se e já não garante governabilidade. Mas a classe dominante não pede o impeachment da presidenta Dilma, pois nunca na história deste país viveu dias tão confortáveis.
Apesar da crise, o lucro do Banco Itaú em 2015 deverá superar R$ 20 bilhões. O ódio que se difunde advém de parcela da classe média que perdeu a exclusividade. E com ela faz coro o presidente da Câmara dos Deputados apoiado por parlamentares de igual expressão intelectual e conduta ética.



 

Barganha, botequim e apoio político

 “Mas, hoje, depois de criar a Força Nacional, sem lei ou autorização constitucional, apoiar a repressão nas Jornadas de Junho de 2013 e rechaçar manifestantes com uso do Exército por ocasião da privatização do ‘Campo Petrolífero de Libra’, o governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei que, a pretexto de criminalizar o terrorismo, criminaliza os movimentos sociais. Os assuntos de Estado ficaram sujeitos às conveniências cotidianas, sem institucionalidade, tal como as barganhas nos botequins onde as discussões sobre ministérios e times de futebol somente se realizavam enquanto durava a bebedeira”.
Acossado pelos interesses que denunciou na Carta-testamento, Getúlio Vargas preferiu o suicídio a renunciar. Ante a iminência de sua vitória nas eleições de 2 de outubro de 1950, o presidente Dutra promulgou a Lei 1.079, regulamentando o impeachment, prenúncio de que a vontade popular não seria respeitada. O suicídio de Vargas em 1954 adiou o golpe para 1964.
Jango, deposto pelas mesmas forças que propiciaram o suicídio de Vargas, fora ministro do Trabalho de Getúlio e vice de Juscelino Kubistchek. Em eleições desvinculadas, tivera mais votos que JK. Em poucos momentos da História do Brasil um presidente teve auxiliares do nível de João Goulart. Foram seus ministros: Almino Affonso, Carvalho Pinto, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Evandro Lins e Silva, Hélio Bicudo, Hermes Lima, João Mangabeira, San Tiago Dantas e Waldir Pires.
Na noite de 31 de março de 1964, o comandante do 2º Exército, Amaury Kruel, condicionou apoio ao presidente à prisão dos comunistas, o fechamento da Central Geral dos Trabalhadores e da UNE. Jango recusou. Perdeu o apoio político e militar, mas não compactuou com os facínoras golpistas. Com o seu espólio as forças democráticas resistiram à ditadura e restabeleceram a democracia.
É emblemático que um dos ministros de Jango, Hélio Bicudo, tenha sido o promotor de justiça que levou ao banco dos réus de  Tribunal do Júri o delegado Fleury, símbolo da repressão. Igualmente é emblemático que em Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, ABC paulista, tenham se realizado, em dezembro de 1967, comícios da Frente Ampla contra o regime que se instalava, maiores manifestações operárias do Brasil até então.
Mas, hoje, depois de criar a Força Nacional, sem lei ou autorização constitucional, apoiar a repressão nas Jornadas de Junho de 2013 e rechaçar manifestantes com uso do Exército por ocasião da privatização do ‘Campo Petrolífero de Libra’, o governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei que, a pretexto de criminalizar o terrorismo, criminaliza os movimentos sociais. Os assuntos de Estado ficaram sujeitos às conveniências cotidianas, sem institucionalidade, tal como as barganhas nos botequins onde as discussões sobre ministérios e times de futebol somente se realizavam enquanto durava a bebedeira.
 

 

 

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Todos são iguais perante a lei, salvo preso no BEP

“Nesta semana crianças e adolescentes foram mortos pela polícia, com um caso registrado em vídeo do modo de atuação para forjar autos de resistência. Mas foi emblemática a agressão de policiais no Batalhão Especial Prisional (BEP) a uma juíza que o inspecionava. Em data recente, numa entrevista a TV, o major preso em decorrência da tortura, morte e desaparecimento do pedreiro Amarildo recebeu continência de outro policial preso e de menor hierarquia e explicou ao repórter: “Aqui é uma unidade policial como outra qualquer”. É incompatível a existência de prisão especial com a Constituição que diz serem todos iguais perante a lei. As desigualdades existem na natureza e por vezes decorrem da ordem social. Mas perante a ordem jurídica não se pode assegurar privilégios que tornam as prisões especiais inconstitucionais. Mais incomparável ainda é a existência de batalhão destinado a acautelar policiais nas poucas vezes que são chamados à responsabilidade diante do mar de crimes que se comete cotidianamente”.
Quando Ernesto Geisel propôs a abertura política, os setores que a ela se opunham iniciaram boicote. A partir de 1979, após a edição da Lei da Anistia, que isentou torturadores e assassinos de responsabilização, a linha dura começou a praticar atos terroristas. Bombas estouraram pela cidade. A mais emblemática explodiu no colo dos terroristas no Riocentro. Da impunidade resultou o modelo de truculência estatal que assombra a sociedade.
Nesta semana crianças e adolescentes foram mortos pela polícia, com um caso registrado em vídeo do modo de atuação para forjar autos de resistência. Mas foi emblemática a agressão de policiais no Batalhão Especial Prisional (BEP) a uma juíza que o inspecionava. Em data recente, numa entrevista a TV, o major preso em decorrência da tortura, morte e desaparecimento do pedreiro Amarildo recebeu continência de outro policial preso e de menor hierarquia e explicou ao repórter: “Aqui é uma unidade policial como outra qualquer”. É incompatível a existência de prisão especial com a Constituição que diz serem todos iguais perante a lei. As desigualdades existem na natureza e por vezes decorrem da ordem social. Mas perante a ordem jurídica não se pode assegurar privilégios que tornam as prisões especiais inconstitucionais. Mais incomparável ainda é a existência de batalhão destinado a acautelar policiais nas poucas vezes que são chamados à responsabilidade diante do mar de crimes que se comete cotidianamente.
Causa mais espanto à consciência cidadã a declaração do secretário Beltrame no sentido de que já ‘pediu’ a desativação do batalhão prisional. Ora, o secretário de Segurança é o superior hierárquico das polícias militar e civil. Tanto o chefe de polícia civil quanto o comandante-geral da PM estão a ele subordinados. Por que fez pedido? Por que não emitiu ordem? Mas a ordem veio. De decisão judicial. Causa assombro que no mesmo dia o presidente do Tribunal de Justiça tenha declarado intenção de rever a determinação de fechamento daquela unidade que é fonte de problemas, quando não é autoridade jurisdicional competente do caso. Há muito a ser esclarecido sobre as razões da existência daquele batalhão, de sua manutenção e, agora, da intenção de rever o ato que determinou sua desativação.