quinta-feira, 3 de março de 2016

Concessionária responde por danos a terceiros antes da concessão - PRINCÍPIO DA SUCESSÃO


Concessionária responde por danos a terceiros antes da concessão - Princípio da sucessão

“Ao julgador compete apreciar os fatos narrados e qualificá-los de acordo com a ordem jurídica, pouco importando se de tal enquadramento legal resultará vantagem ou prejuízo a quem quer que seja [...] Não se pode ter a consideração a priori dos fatos a pretexto de evitar fuga de investimentos. Tal fato implicaria uma interpretação jurídica a priori favorável à empresa e aos investidores em prejuízo dos passageiros e da sociedade”.

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3 de março de 2016, 9h44


Concessionária de serviço público também pode responder por danos a terceiros ocorridos antes do início da concessão. Foi a tese que a 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro consolidou ao negar um recurso da Supervia, que opera os trens do estado, contra sentença que a condenou a pagar indenização à família de um usuário que morreu ao cair de uma composição que trafegava com as portas abertas. O acidente aconteceu em 1989, quando o sistema ainda era administrado pela Companhia Fluminense de Trens Urbanos (Flumitrens).

João Batista Damasceno, desembargador substituto que relatou o recurso, explicou que a responsabilização, nesse caso, se deve ao princípio da sucessão. No voto, ele esclareceu que a Flumitrens funcionou até 2001, quando foi parcialmente cindida. Com a operação, foi criada a Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística, que assumiu algumas linhas, às quais administra até hoje. Porém, as linhas sob a responsabilidade da Flumitrens passaram a ser exploradas pela Supervia, por meio do contrato de concessão, assinado após a empresa vencer o processo de licitação.

Segundo Damasceno, a Supervia incorporou o patrimônio da Flumitrens com a concessão, utilizando-o para prestar o serviço de transporte. E, pela Lei das Sociedades por Ações, a empresa que absorve parte do patrimônio da empresa cindida deve sucedê-la nos direitos e obrigações relativos ao ato de cisão.

De acordo com o relator, esse entendimento não contraria o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, firmado em 2011 no julgamento de um recurso repetitivo, que negou a existência de relação sucessória entre a Supervia e a Flumitrens. Na ocasião, os ministros entenderam que, por ter assumido a concessão do serviço público mediante contrato administrativo precedido de licitação, “descabe imputar à Supervia o cumprimento de obrigações da Flumitrens, como as decorrentes de ato ilícito ocorrido durante a concessão anterior”.

Damasceno destacou que os casos são diferentes, pois o recurso em análise no TJ-RJ não trata da responsabilidade por ato ilícito da sucedida, mas da responsabilidade objetiva — ou seja, decorrente do dano inerente à atividade desenvolvida. “No caso presente, o que se tem é a necessidade de aferição de situação fática quanto à continuidade de atividade já

desempenhada, com utilização da azienda [patrimônio] da empresa sucedida, ou desempenho de atividade originariamente por delegação contratual após processo licitatório”, afirmou.

Ao analisar o recurso, o relator constatou que o contrato de concessão reconhece a condição da sucessora da recorrente, mas tenta afastar a responsabilização dela perante terceiros por eventuais danos causados pela Flumitrens. Ele explicou que a tese de inexistência de sucessão jurídica foi construída a partir de um conjunto de debates promovidos pela Supervia. Nos eventos, que contaram com participação de juristas, a questão acabou sendo analisada mais do ponto de vista das consequências econômicas das condenações.

Por entender que, no Estado Democrático de Direito, não se pode admitir decisões em desconsideração à ordem jurídica para atender à ordem econômica, Damasceno votou pela manutenção da sentença, que condenou a recorrente a pagar uma indenização R$ 110 mil por danos morais à família do usuário morto. A decisão foi unânime.

“Ao julgador compete apreciar os fatos narrados e qualificá-los de acordo com a ordem jurídica, pouco importando se de tal enquadramento legal resultará vantagem ou prejuízo a quem quer que seja [...] Não se pode ter a consideração a priori dos fatos a pretexto de evitar fuga de investimentos. Tal fato implicaria uma interpretação jurídica a priori favorável à empresa e aos investidores em prejuízo dos passageiros e da sociedade”, concluiu.

 


 

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