terça-feira, 15 de março de 2016

UNAMUNO: CONTRA A MORTE E EM DEFESA DA INTELIGÊNCIA


“Vocês vencerão! Mas não convencerão. Vencerão porque têm excesso de força bruta; mas não convencerão, porque convencer significa persuadir. E para persuadir vocês necessitam algo que lhes falta: razão e direito na luta”.
Miguel de Unamumo, reitor da Universidade de Salamanca a partir 1901 é um personagem que merece ser analisado em momento de ascensão do Estado Policial, da brutalidade, do fanatismo e dos ufanismos excludentes.
Unamuno graduou-se em Filosofia e Letras e apresentou tese sobre a língua basca, pois nascera em Bilbao. Defendia a possibilidade de o Euskera, língua basca, conviver com o castelhano. Ingressou na Universidade de Salamanca para ensinar grego.
Participou de grupos socialistas, mas deles se desligou. Em 1914 foi destituído da reitoria da Universidade de Salamanca por razões políticas e condenado a 16 anos de prisão, manifestação de opinião contrária ao Rei. Somente nas democracias a manifestação do pensamento não corre o risco da criminalização. Não cumpriu a sentença, pois partiu para o exílio nas Ilhas Canárias e na França.
Tornou-se um símbolo dos republicanos e liberais em momento no qual a Espanha vivia o movimento republicano. Em 1931, foi eleito conselheiro da cidade de Salamanca e, contra qualquer possibilidade concreta de afirmação do gesto político, proclama a república na cidade. A via político-eleitoral terminou dois anos depois, pois desistiu de concorrer à reeleição. Mas, publicou um manifesto com críticas à igreja, à classe política hegemônica, ao governo e às reformas por eles propostas.
Em 1936 eclodiu a guerra civil que levaria Franco ao poder em 1939. Em razão da perseguição a intelectuais, muitos deles seus amigos, Unamumo assumiu fragorosa oposição ao regime franquista. Mas, não apoiou os republicanos, não apoiou o Rei, a quem responsabilizava pela opressão e as mazelas espanholas, nem apoiou os franquistas porque eram fascistas. E, o acaso o colocou no caminho da agrura:
Durante o ato de abertura do curso acadêmico, que coincidia com a celebração da "festa da raça”, em 12 de outubro de 1936, vários oradores discursaram sobre a "anti-Espanha". Unamuno, indignado, tomava notas, sem intenção de falar. Mas, diante de tudo o que ouvira foi tomado pelo espírito basco, levantou-se e pronunciou um discurso apaixonado:
"Se tem falado aqui de guerra internacional em defesa da civilização cristã. Eu mesmo o disse outras vezes. Porém não! A nossa é apenas uma guerra incivil. Vencer não é convencer, e há de se convencer sobretudo. E, não pode convencer o ódio que não deixa lugar para a compaixão. Tem-se falado também de Catalães e Bascos, chamando-os de anti-Espanha. Pois bem! Pelas mesmas razões eles podem dizer a mesma coisa. E aqui está o senhor bispo, catalão, para ensinar-lhes a doutrina cristã que não queres conhecer e eu, que sou basco, tenho levado toda a minha vida ensinando-lhes a língua espanhola que não sabeis”.
O General José Millán Astray, que representava Franco naquele evento e que era desafeto de Unamuno, pôs-se a gritar:
"Posso falar? Posso falar?".
Sua escolta militar apresentou armas e alguém do público gritou: “Viva a morte!".
O general Millán declara então: "A Catalunha e o país Basco, o país Basco e a Catalunha, são dois cânceres no corpo de uma nação. O fascismo, remédio da Espanha, vem exterminá-los, cortando na carne viva e com precisão como um frio bisturi”.
Exaltado não conseguiu terminar seu discurso. Na platéia se ouviam os gritos de "Viva Espanha! Viva a morte!".
Unamuno continuou:
"Acabo de ouvir o grito necrófilo e insensato de ’viva a morte!’. Isto soa o mesmo que ‘morra a vida!’. E eu, que passei toda a vida criando paradoxos que provocaram a oposição daqueles que não os compreenderam, devo dizer-lhes, com autoridade na matéria, que este ridículo paradoxo me parece repelente. Já que foi proclamada em homenagem ao último orador, entendo que foi dirigida a ele, se bem que de forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele é um símbolo da morte. E tem mais uma coisa: o general Millán Astray é um inválido. Não é preciso baixar a voz para dizer isto. É um inválido de guerra. Assim também foi Cervantes. Mas os extremos não servem como norma. Desgraçadamente há, hoje em dia, demasiados inválidos. E logo haverá mais se Deus não nos ajudar. Dói-me pensar que o general Millán Astray possa ditar normas de psicologia de massas. Um inválido que careça da grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem, não um super-homem, viril e completo apesar de suas mutilações, um inválido, como disse, que não disponha desta superioridade de espírito, deve sentir-se aliviado vendo como aumenta o número de mutilados ao redor dele. (... ) O general Millán Astray gostaria de criar uma Espanha nova, criação negativa sem dúvida, segundo a sua própria imagem. Ele desejaria uma Espanha mutilada...”
O General Millán, furioso, gritou: "Morra a inteligência!".
Tentando acalmar os ânimos, o poeta José María Pemán exclamou:
"Não, Viva a inteligência! Morram os maus intelectuais!".
Unamuno concluiu: 
"Estamos numa Universidade! Este é o templo da inteligência! E eu sou o seu supremo sacerdote! Vocês estão profanando este sagrado recinto. Eu sempre fui, diga o que diga o provérbio, um profeta em meu próprio país. Vocês vencerão! Mas não convencerão. Vencerão porque têm excesso de força bruta; mas não convencerão, porque convencer significa persuadir. E para persuadir vocês necessitam algo que lhes falta: razão e direito na luta. Parece-me inútil pedir-lhes que pensem na Espanha".
O auditório ficou em pé de guerra. A guarda do general Millán postou-se diante de Unamuno esperando a ordem para fuzilá-lo. Mas, uma pessoa surpreendeu e demonstrou grandeza. A esposa de Franco, Carmen Polo, pegou o braço do reitor e o acompanhou até a sua casa, rodeados por sua guarda pessoal, o que evitou que o general Millán Astray o fuzilasse.
No mesmo mês o general Franco destituiu Unamuno do cargo de reitor vitalício da Universidade de Salamanca e o manteve em prisão domiciliar. Somente não foi fuzilado em razão do mal estar internacional criado pela morte de Garcia Lorca. Em novembro de 1936 Unamuno escreveu a seus amigos:
A barbárie é unânime. É o regime de terror pelos dois lados. A Espanha está assustada consigo mesma, horrorizada. Brotou a lepra católica e anticatólica. Uivam e pedem o sangue de uns e de outros. Assim está a minha pobre Espanha: está sangrando, arruinando, envenenando e enlouquecendo...”.
Em 31 de dezembro de 1936, durante um encontro com seus amigos, morreu Miguel de Unamuno.
Miguel de Unamuno é exemplo de coragem, da defesa da inteligência, da convivência respeitosa das diferenças e da paz. Mas, também das incoerências e antinomias que nos caracterizam como humanos.
VIVA A VIDA!
VIVA A INTELIGÊNCIA!
FASCISTAS, NO PASARÁN!


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