segunda-feira, 30 de maio de 2016

Avaliar para quê? (Tema em discussão: Sistema de avaliação do ensino no Estado do Rio)


“Se o programa servisse como meio para ações destinadas à garantia do direito à aprendizagem do que é indispensável, com proveito para o futuro dos estudantes, certamente seria aceito de braços abertos por todos, e as escolas estariam ocupadas por alunos, professores e diretores visando à preparação para a vida e não para domesticar crianças e adolescentes com o fim de transformá-los em vassalos úteis”.
 
O Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj) foi instituído a pretexto de promover análise do desempenho dos alunos da rede pública do estado. Teoricamente, o programa tem por finalidade monitorar o padrão de qualidade do ensino ministrado pela rede estadual. Os resultados de avaliações globais de políticas públicas podem fornecer informações para planejamentos e subsidiar tomadas de decisões destinadas à melhoria da qualidade dos serviços prestados. Mas, em se tratando de Educação, não se pode perder de vista o objetivo para o qual se presta o serviço.
Não se educa para fazer prova, mas para a vida. Um sistema de avaliação que tenha por critério tão somente os parâmetros criados por ele mesmo é imprestável ao mundo para o qual se educa. Os estudantes da rede pública de ensino repudiam o Saerj, aplicado aos alunos do 3º ano do ensino médio, e o Saerjinho, aplicado aos alunos do 1º e 2º anos. Esta é uma das principais bandeiras do movimento de estudantes secundaristas que promove, há dois meses, ocupações de escolas e que já atinge quase uma centena delas. Ocupadas e não invadidas, pois os alunos, simplesmente, permanecem em lugar que lhes é de direito. E não esbulham a posse do estado, pois não pretendem desapossá-lo da titularidade de tais imóveis.
O que querem é a melhoria da educação que lhes é ministrada. Buscando com outros membros da Associação Juízes para a Democracia (AJD) propor que alunos e autoridades do sistema estadual de ensino procurem, pela mediação, a solução do impasse com satisfação mútua, vimos a maturidade dos jovens que postulam melhor qualidade de ensino, visando à plena formação e ampliação de seus horizontes. Os estudantes que organizam as atividades nas escolas que ocupam, com disciplina invejável, pretendem a reformulação do sistema de avaliação a fim de que, simultaneamente, sirva para outros fins.
O Saerj é um sistema de avaliação autorreferente, sem proveito para a educação regular ou preparação para avaliações posteriores, como o Enem. É uma avaliação destinada a si mesma, sem proveito de outra natureza para os educandos. Pode interessar aos que fornecem serviços e produtos ao estado. Mas aos alunos não tem demonstrado serventia. Ninguém haveria de ser contra o sistema de avaliação se ele, simultaneamente, permitisse obter informações sobre o desempenho escolar dos estudantes e propiciasse a melhoria da educação que se ministra.
Se o programa servisse como meio para ações destinadas à garantia do direito à aprendizagem do que é indispensável, com proveito para o futuro dos estudantes, certamente seria aceito de braços abertos por todos, e as escolas estariam ocupadas por alunos, professores e diretores visando à preparação para a vida e não para domesticar crianças e adolescentes com o fim de transformá-los em vassalos úteis.




Publicado originariamente no jornal O GLOBO, em 30/05/2016, pag. 12. Link:
http://oglobo.globo.com/opiniao/avaliar-para-que-19387389

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