“Se o programa servisse como meio para ações
destinadas à garantia do direito à aprendizagem do que é indispensável, com
proveito para o futuro dos estudantes, certamente seria aceito de braços
abertos por todos, e as escolas estariam ocupadas por alunos, professores e
diretores visando à preparação para a vida e não para domesticar crianças e
adolescentes com o fim de transformá-los em vassalos úteis”.
O Sistema de
Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj) foi instituído a
pretexto de promover análise do desempenho dos alunos da rede pública do
estado. Teoricamente, o programa tem por finalidade monitorar o padrão de
qualidade do ensino ministrado pela rede estadual. Os resultados de avaliações
globais de políticas públicas podem fornecer informações para planejamentos e
subsidiar tomadas de decisões destinadas à melhoria da qualidade dos serviços
prestados. Mas, em se tratando de Educação, não se pode perder de vista o
objetivo para o qual se presta o serviço.
Não se educa
para fazer prova, mas para a vida. Um sistema de avaliação que tenha por
critério tão somente os parâmetros criados por ele mesmo é imprestável ao mundo
para o qual se educa. Os estudantes da rede pública de ensino repudiam o Saerj,
aplicado aos alunos do 3º ano do ensino médio, e o Saerjinho, aplicado aos
alunos do 1º e 2º anos. Esta é uma das principais bandeiras do movimento de
estudantes secundaristas que promove, há dois meses, ocupações de escolas e que
já atinge quase uma centena delas. Ocupadas e não invadidas, pois os alunos,
simplesmente, permanecem em lugar que lhes é de direito. E não esbulham a posse
do estado, pois não pretendem desapossá-lo da titularidade de tais imóveis.
O que querem
é a melhoria da educação que lhes é ministrada. Buscando com outros membros da
Associação Juízes para a Democracia (AJD) propor que alunos e autoridades do
sistema estadual de ensino procurem, pela mediação, a solução do impasse com
satisfação mútua, vimos a maturidade dos jovens que postulam melhor qualidade
de ensino, visando à plena formação e ampliação de seus horizontes. Os
estudantes que organizam as atividades nas escolas que ocupam, com disciplina
invejável, pretendem a reformulação do sistema de avaliação a fim de que,
simultaneamente, sirva para outros fins.
O Saerj é um
sistema de avaliação autorreferente, sem proveito para a educação regular ou
preparação para avaliações posteriores, como o Enem. É uma avaliação destinada
a si mesma, sem proveito de outra natureza para os educandos. Pode interessar
aos que fornecem serviços e produtos ao estado. Mas aos alunos não tem
demonstrado serventia. Ninguém haveria de ser contra o sistema de avaliação se
ele, simultaneamente, permitisse obter informações sobre o desempenho escolar
dos estudantes e propiciasse a melhoria da educação que se ministra.
Se o
programa servisse como meio para ações destinadas à garantia do direito à
aprendizagem do que é indispensável, com proveito para o futuro dos estudantes,
certamente seria aceito de braços abertos por todos, e as escolas estariam
ocupadas por alunos, professores e diretores visando à preparação para a vida e
não para domesticar crianças e adolescentes com o fim de transformá-los em
vassalos úteis.
Publicado originariamente no jornal O GLOBO, em 30/05/2016, pag. 12. Link: http://oglobo.globo.com/opiniao/avaliar-para-que-19387389
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