terça-feira, 20 de junho de 2017

ABORTO, GÊNERO, IGREJA E SOLIDARIEDADE







Em 2014 o Cardeal Dom Orani Tempesta, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, cancelou a encenação do Auto da Paixão de Cristo que seria realizada na Catedral Metropolitana. O motivo: pobres estavam acampados no pátio da Igreja. A igreja foi fechada durante dias, as missas não foram celebradas e os fiéis não puderam entrar para realizar suas orações. A tradicional celebração da Sexta-Feira Santa não se realizou no Rio de Janeiro em 2014. Não houve encenação, missa ou procissão.
Pessoas que ocupavam o prédio da União (Favela Oi-Telemar), que deveria ter sido devolvido pela Telemar, foram expulsas de suas casas pela Polícia Militar no dia 11/04/2014, que devolveu à posse do imóvel ao empresa de telecomunicação. Expulsos de suas moradias e obrigados, a deixar o local com apenas o que pudessem carregar, concentraram-se e se alojaram em frente ao prédio da prefeitura, na esperança de que fossem removidos para algum lugar habitável. O Conselho Tutelar ameaçou retirar as crianças das mães acampadas, o que foi impedido por liminar deferida em plantão pelo Poder Judiciário. Às vésperas da Semana Santa, a Polícia Militar/PM e a Guarda Municipal - numa madrugada chuvosa e com muita truculência - expulsaram os acampados da frente da Prefeitura. Para se protegerem da violência policial muitos foram para o pátio da Igreja. Policiais do Batalhão de Choque cercaram a área. Mas, não invadiram o espaço da igreja. Até então a polícia ainda não sabia que podia invadir igreja no Rio de Janeiro sem que disto resultasse qualquer consequência ou protesto das autoridades eclesiásticas.
O Cardeal Dom Orani Tempesta reuniu desembargadores, juízes, banqueiros e políticos a fim de buscar uma saída que possibilitasse a retirada dos acampados da frente da Igreja. Foram convidados o governador do Estado e o Prefeito Eduardo Paes. O governador sequer mandou representante. O prefeito mandou um representante de terceiro escalão. 
Foi proposta a remoção dos acampados para outro lugar improvisado até que se arranjasse onde pudessem ficar. A princípio a Igreja queria separar os homens das mulheres e os alocarem precariamente em lugares distintos, até solução final do impasse. As famílias componentes do grupo acampado no pátio da Catedral recusaram a separação e pediram para serem levadas para um local onde todos pudessem ficar juntos.
A Arquidiocese editou nota dizendo que “lamenta que existam pessoas que ainda sofram em virtude da ausência de moradia e sejam manipuladas por outros interesses”. Não foi explicitado o que era manipulação nem os interesses que a promovia.
Estiveram no pátio da Catedral em solidariedade aos desabrigados o Deputado Chico Alencar (PSOL), Janira Rocha (PSOL), Márcio Pachedo (PSC), Alessandro Molon (REDE), além de um padre da Pastoral das Favelas, de juízes, desembargadores e membros da OAB/RJ.
A prefeitura cadastrou as famílias a pretexto de que seriam inscritas no programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal. Mas, os dados foram repassados para os órgãos de inteligência do Estado e os ocupantes ameaçados de criminalização. O número de ocupantes acampados na Catedral era pequeno, cerca de 50 (cinquenta) pessoas. Eram pessoas que não tinham para onde ir. Mas, o pânico aos pobres justificava o temor da Igreja.
Tradicionalmente é oferecida uma ceia aos "Moradores de Rua" no Domingo de Páscoa. Naquele Domingo de Páscoa, com a igreja fechada, não houve a ceia. Mas, os acampados dividiram suas poucas comidas com os "Moradores de Rua" que chegavam ao local.
Depois de duas semanas de impasse, Dom Orani Tempesta alojou, em barracas, os desabrigados na quadra da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, na Ilha do Governador, até que se arranjasse outro lugar para elas.
Ao saber que na Igreja de Nossa Senhora do Loreto havia comida, moradores de rua da redondeza se aproximaram para se alimentar. Um padre cadastrou os ocupantes alojados na quadra da igreja, lhes entregou crachás, e colocou na porta a seguinte inscrição: “Se você tem crachá pode entrar. Se não tem estamos rezando por você”. Quem tinha fome e não tinha crachá não se alimentou. Mas, pelo menos recebeu uma benção!
Ao ver a campanha que a Arquidiocese do Rio de Janeiro desenvolve contra o que chama de “Ideologia de Gênero”, contra o aborto nos casos em que já é permitido pela legislação (gravidez decorrente de estupro, por exemplo) e pela criminalização e encarceramento nos casos não autorizados pela lei, posso testemunhar a preocupação e solidariedade que se têm com os que já vivem. E para documentar o testemunho tirei muitas fotografias.
 














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